Pavilhão Mourisco

Pavilhão Mourisco

Silvio Colin

mourisco 2

Carlos Drummond de Andrade, dizia que de tudo fica um pouco. “Sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes e sob tu mesmo e sob teus pés já duros e sob os gonzos da família e da classe, fica sempre um pouco de tudo. Às vezes um botão. Às vezes um rato.[1] É o que acontece com as cidades, e suas camadas sobrepostas de cultura. Isso apesar de não termos como hábito cultuar a memória. De tudo fica um pouco graças a alguns agentes da memória.

Imagino que poucos entre os mais jovens moradores da cidade do Rio de Janeiro hoje em dia refiram-se àquele recanto de Botafogo, antes do Morro do Pasmado, em frente às ruas Voluntários da Pátria e São Clemente como “Mourisco”. Era assim que era chamado nos tempos da minha infância, nos anos 1950. O nome do local foi emprestado por uma bela construção do início do século ali existente, o Pavilhão Mourisco, e preservado por um elemento mais prosaico, duas linhas de ônibus, o 521 e 522, Vidigal-Mourisco, mesmo depois de sua demolição. Essas linhas de ônibus, ou melhor, os seus nomes, pois os trajetos pouco mudaram, foram substituídos por Vidigal-Metrô-Botafogo.

Mourisco 4

O edifício foi projetado pelo arquiteto Alfredo Burnier e construído durante a administração do Prefeito Souza Aguiar, de 1906 a 1909. Era destinado a ser um Music-Hall, mas parece que nunca funcionou como tal, mas sim como salão de chá, restaurante e café. Sua construção era tão marcante, com suas cinco cúpulas douradas, que cedo deixou de ser uma simples construção e passou a ser um topônimo.

A partir de 1934 abrigou a Biblioteca Infantil, gerida pela grande Cecília Meireles, esta também um patrimônio nosso um tanto esquecido. Nas mãos da poetiza transformou num centro de cultura infantil, já que extrapolava os objetivos de uma simples biblioteca, pois conjugava outras atividades como o cinema, música, cartografia, jogos, etc. Tão mais original era iniciativa pois, na época, as bibliotecas não permitiam a presença de crianças desacompanhadas. A Biblioteca Infantil do Mourisco não somente permitia as crianças, como incentivava a sua visita.[2] A biblioteca foi fechada em 1937, pelo Estado Novo. O edifício funcionou depois como ponto de coleta de impostos e foi demolido em 1952, para a construção do Túnel do Pasmado. Mas o nome mourisco sobreviveu ainda, e sua tendência é também ser esquecido.

Pavilhão Mourisco

Em frente ao pavilhão havia um teatro de marionetes, o Teatro Guinhol, um grande sucesso entre as crianças da era pré-televisiva.

Na época, os especialistas condenavam o termo “neo-mourisco” aplicado ao estilo. O termo “mourisco” deriva de ‘mouro”, pertencente aos povos da Mauritânia, ou sarraceno. Por extensão, passou a ser sinônimo de “mudéjar”, que se referia aos espanhóis muçulmanos, depois de sua conversão ao catolicismo. Essa prática foi comum no reinado dos chamados ¨reis católicos¨, a partir de 1492. Entretanto a maior parte deles continuavam a usar sua língua, costumes e sua antiga religião.

Café Mouisco

Morales de Los Rios[3] condena o termo “neo-mourisco” aplicado ao edifício. Dizia tratar-se de “neo-persa”, nada tendo de mourisco. Este purismo conceitual fazia muito sentido na época de sua construção ou mesmo de comentário de Morales de Los Rios. Hoje em dia, essas precisas classificações também estão meio perdidas. Hoje faz pouca diferença chamar de neo-mourisco, neo-islâmico, neo-mudéjar ou neo-árabe, até mesmo porque, pouco depois da vigência desta prática, chamada “Ecletismo Tipológico”, os arquitetos acadêmicos e principalmente os construtores, adotaram o chamado “Ecletismo Sincrético”, no qual os estilos e padrões decorativos se fundiam a gosto.

800px-Botafogo_Mourisco

A verdade é que prevaleceu para a edificação o epíteto Pavilhão Mourisco, que serviu depois para designar a região, o Mourisco, na Praia de Botafogo, imediações do túnel do Pasmado. Na área, hoje existe uma construção, o Centro Empresarial Mourisco, que, obviamente, nada tem de Mourisco, mas toma o nome por contigüidade, e garante uma sobrevida ao termo. Parece entretanto que não terá força para sustentá-lo por muito tempo.

Cópia de Rubrica SC

Aviso


NOTAS

[1]Resíduo”. Carlos Drummond De Andrade. Do Livro “A Rosa do Povo”. 1943.

[2] Rioantigofotos.blogspot.com

[3] Adolfo Morales de Los Rios y Garcia de Pimentel (1858 – 1928). Arquiteto espanhol radicado no Brasil a partir de 1990, professor, prestigioso escritor e profundo conhecedor da prática eclética, autor do projeto da Escola nacional de Belas Artes do Rio de janeiro e  grande número de edifícios residenciais, comerciais, institucionais, educacionais, religiosos, industriais, hospitalares, monumentos públicos e funerários

BIBLIOGRAFIA

Czajkowski, Jorge (Org.) Guia da Arquitetura Eclética no Rio de Janeiro . Rio de Janeiro. Centro de Arquitetura e Urtbanismo, 2000.

Links

http://pt.wikipedia.org/wiki/Estilo_neoisl%C3%A2mico

http://rememorarte.blog.br

http://ceciliameireles2009.blogspot.com

http://rioantigofotos.blogspot.com

4 Respostas para “Pavilhão Mourisco

  1. Geraldo Carioca

    Sim. Como amante das coisas e loisas que vêm da península Ibérica, dentre elas a sua música maravilhosa, não poderia deixar de anotar, para o benefício do presente ‘post’ que o povo Carioca, dadas as lantejoulas e vitríolos que parecem dominar a fachada exterior do prédio que lá se encontra hoje, denominou-o amável e merecidamente de ‘puta espanhola’.

    Já o Mourisco e o seu pavilhão, estou certo, permanecerá na memória de nosso povo, para todo e sempre, mesmo se as imediações do bairro tenham tanto se modificado, creio eu, para bem pior do que era e foi.

    Que fique essa nota para a memória do ‘post’. Se entenderem a sua sutileza e amabilidade.

  2. Pingback: O antigo Pavilhão Mourisco da Praia de Botafogo (Rio de Janeiro) | Um postal por dia

  3. A última finalidade do Pavilhão Mourisco antes de sua demolição durante o Governo Dutra, foi sediar uma creche de nome “Recreio Pindorama para crianças” gerida por minha avó e tia avó. Onde vivi nos meus idos 3 anos de idade. Saudoso de tanta beleza e rica história. Foi de fato um monumento lindíssimo que se transformou em sucata.

  4. Excelente artigo! Também escrevi um artigo sobre o pavilhão mourisco no meu blog, o [PLATA]FORMA, e citei o seu blog como fonte. Dá uma olhada lá! 🙂

    http://plataformablg.wordpress.com/

Deixar mensagem para Geraldo Carioca Cancelar resposta