Forma Estrutural – I

Vinheta

A Forma Estrutural na Arquitetura

Silvio Colin

INTRODUÇÃO

A ideia de fazer beleza com a estrutura do edifício não é nova; ao contrário, é tão antiga quanto a ideia de arquitetura. Os elementos estruturais – muros, pilares, vigas – sempre foram pensados não apenas como elementos portantes, mas também como um substrato de formas decorativas. Assim foi nas arquiteturas proto-históricas com os relevos decorativos dos grandes muros das cidadelas assírias como nos templos egípcios.

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Nestes últimos, os pilares em forma de palmas, lótus ou papiros,  inauguram uma linguagem, na medida em que sobrepassam a simples função estrutural e vêm a ser elementos significantes, ícones de um sistema externo à arquitetura. Os relevos dos frontões, métopas e frisos, as cornijas, os capitéis, as caneluras das colunas, ou os traçados curvilíneos dos fustes, nos templos gregos, todos estes elementos estão aquém das demandas simplesmente estáticas, tendo estabelecido códigos estéticos bastante precisos. O mesmo se poderia dizer, ao tratar da arquitetura medieval, dos tímpanos e arquivoltas dos arcos românicos e góticos, de suas estátuas colunas. Raramente um elemento estrutural foi abandonado pelos arquitetos e escultores ao seu prosaico destino estático, de conduzir cargas dos tetos, pisos e paredes para o solo.

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Estátuas-colunas da catedral de Chartres.

A diferença de tratamento do sistema estrutural na arquitetura após a Revolução Industrial assume dimensões importantes quantitativamente, mas também qualitativamente. Os novos materiais, o ferro e o concreto armado, abriram novas perspectivas formais para arquitetura. Antes, o desempenho estrutural, o desenho de forças, já estava estabelecido. Por mais que fossem aplicados tratamentos de natureza poética, os elementos estruturais, estaticamente falando, tinham um papel muito bem definido, quer no sistema trilítico, mais simples, ou no sistema de arco radiante, mais complexo. Este papel estrutural limitava em muito seu desempenho poético. Os novos materiais abriram infinitas possibilidades à forma estrutural. Quantitativamente, quando a possibilidade de vencer vãos cresce geometricamente; já no século XIX falava-se em vãos de mais de 100 m. Também em altura, as estruturas se distendem: falamos agora de dezesseis pavimentos, sem o constrangimento das grossas paredes de tijolo, que podiam chegar, nos pavimentos inferiores, a até 3 m.

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Hotel Tassel, Bruxelas

Porém não se trata apenas de mudanças quantitativas. Qualitativamente, a partir de então, o trabalho estrutural poderia ser desenhado pelo arquiteto, assim como qualquer outro sistema, mural, espacial ou volumétrico. Ele podia escolher, entre uma infinidade de sistemas disponíveis, estruturas de concreto de pilares vigas e lajes, treliças de aço, retas ou em arco, sistemas de pórtico, e tantos outros, e além disso, interferir dentro destes sistemas, mudando forma e comportamento dos elementos, e sobretudo, o significado destes no conjunto do edifício.

Embora não seja o nosso propósito um exaustivo estudo histórico dos elementos estruturais, caberá aqui uma rápida viagem ao passado que nos ajude no entendimento da época atual. De antemão, sabemos que este simples estudo pode nos conduzir a descobertas surpreendentes.

SISTEMAS ESTRUTURAIS NA ANTIGUIDADE

minos_ Palácio de Minos. Knossos, Creta. 1500 a.C. 

As formas estruturais na Antiguidade eram limitadas pelas possibilidades dos materiais disponíveis: a pedra, a argila e a madeira. A pedra era o material mais resistente e de maiores possibilidades estéticas. Era também o mais difícil de trabalhar. Estas características a fizeram o material dos templos e palácios. De sua durabilidade e beleza nada precisamos acrescentar; basta visitarmos as pirâmides, templos e edifícios egípcios, gregos ou romanos, ainda hoje existentes, e estes falarão por si. A argila, a Mãe Terra, era também prodigiosa, oferecendo materiais para os mais diversos usos e possibilidades tecnológicas.

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Cidade Antiga de Bam. Iran. A partir de 240 a.C. O maior conjunto construído em adobe.

Em estado natural podia transformar-se em adobe, taipa de pilão, pau a pique, como chamamos a estas técnicas milenares de construir paredes. Acontece que muito cedo nossos ancestrais aprenderam a cozinhar a argila em altas temperaturas, obtendo assim uma pedra artificial – a cerâmica. Tinha esta, sobre a pedra natural, a vantagem de poder ser moldada na forma de tijolos, telhas ou ladrilhos. Sua durabilidade a rivaliza com a pedra: foi talvez o primeiro material de construção utilizado pelo homem. Aliás, o próprio homem fora feito de argila, e sua própria presença assinalava para a possibilidade de vida sedentária, junto aos aluviões dos rios. A Bíblia lhes ensinava. “Vamos, façamos tijolos e cozâmo-los ao fogo.” Serviram-se de tijolos em vez de pedras, e de betume em lugar de argamassa.” 1 [ Gênese, cap. 11 – 3 ] .

Brueghel-tower-of-babel Torre de Babel. Óleo sobre madeira de Pieter Brueguel, o Velho. 1563. Museu de História da Arte. Viena.

O Portão de Ishtar, na Babilônia, do século IV a.C., e a Muralha da China, do século III a.C., constituem-se de exemplos não somente da durabilidade como também do grau de evolução a que chegou esta técnica no período proto-histórico.

A madeira ocupa um lugar único entre seus pares. Sendo um material do reino vegetal, apresenta a fraqueza de poder ser destruído por insetos, bactérias e outros micro organismos, e também pelo fogo. Como vantagens tem a leveza e a fácil trabalhabilidade. Embora não esteja associada, como a pedra e a cerâmica, à construções monumentais, (pelo menos na arquitetura ocidental, que é nosso objeto) delas sempre participou como material complementar, sobretudo para estruturação de telhados. A tradição edilícia apresenta várias técnicas diferentes de construção em madeira, desde a cabana de troncos e o enxaimel, cuja história atravessa os milênios, até as mais recentes baloon frame¨. De sua importância única quanto às propriedades mecânicas falaremos logo adiante.

Sistemas construtivos tradicionais

porta_dos_lees-_micenas_ Sistema trilítico. Porta dos Leões- Micenas. 1250 a. C. Observe-se que o relevo dos leões representa as cargas que incidem sobre a verga do portão

Eram dois os sistemas construtivos usados então na construção com pedra e cerâmica: o sistema trilítico e o sistema de arco radiante. Do primeiro vamos encontrar exemplos já na pré-história, nas construções chamadas megalíticas, nos conjuntos de Carnac e Stonehenge, datados do século XXV a.C. O sistema trilítico (dois elementos sustentantes e uma viga por cima) foi usado na Mesopotâmia, no Egito, nas civilizações do Egeu, e na grande civilização grega.

OLYMPUS DIGITAL CAMERA Tesouro de Antreu. Micenas. Século XIII a.C.

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Tesouro de Antreu. Interior.

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Tesouro de Antreu. Corte.

O arco radiante não era seu conhecido. Em algumas construções do Egeu, como o Tesouro de Atreu, em Micenas, encontramos uma estrutura em que as fiadas de pedra são um pouco mais salientes das que lhes ficam abaixo, estabelecendo uma forma primitiva de arco, mas sem a compreensão do verdadeiro princípio do arco radiante: a aduela em forma de cunha. Este último aparecerá na história da arquitetura ocidental através dos etruscos, que dominavam Roma, anteriormente ao período da República, cerca do século V a.C.

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Elementos do arco radiante

Essa técnica permitirá grandes feitos arquitetônicos, como os aquedutos, as termas monumentais, o Panteon de Adriano, 126 d.C., a maior cúpula até tempos recentes – 43 m.

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Pantheon. Roma. 126 d.C. O maior vão livre da antiguidade.

Nas obras romanas eram utilizadas a pedra, a cerâmica e, uma outra inovação dos romanos, a pozolana, cimento natural de lavas vulcânicas com o qual faziam o seu concreto, de que se serviam para o enchimento de paredes e cúpulas. A construção em arco migrou para todas as partes do mundo, com a expansão do Império Romano, embora o seu desenho pudesse apresentar novas formas. Do arco de meia volta dos romanos ao arco apontado dos persas, do arco ultrapassado (em ferradura) à forma de bulbo, do Islã, e finalmente à ogiva de três centros, do gótico. A forma mudava mas o princípio da aduela em forma de cunha se mantinha. O princípio estrutural do arco se desdobra em diversos elementos estruturais, dos quais os mais importantes são as abóbadas e cúpulas.

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Tipos de arcos

Arcos 1A - Cópia

Abobadas e cúpulas

É comum dividirmos a história da arquitetura em períodos relacionados com as superestruturas políticas ou procedimentos estéticos. Porém poderíamos pensar de maneira diferente e levarmos em consideração não o comportamento de reis, príncipes e papas, mas o comportamento dos esforços estáticos; assim sendo, caberia uma nova divisão: o período da compressão, o período da flexão e o período da tração. De tudo que vimos até agora, os sistemas estruturais somente utilizavam o serviço de compressão, o único possível para as pedras naturais e artificiais (cerâmica e concreto de pozolana). No sistema trilítico, a pedra superior, por não ter aptidão para a flexão, determinava pequenos vãos e peças de grandes dimensões. A engenhosa forma do arco radiante permite que se vençam os vãos trabalhando com o esforço de compressão, necessitando apenas que se combatam os esforços horizontais gerados com o auxilio de contrafortes – construção romana, proto-cristã e românica, arcos botantes – construção gótica, ou tirantes – Renascimento. A história da arquitetura da Antigüidade e da Idade Média corresponde ao esforço dos construtores e arquitetos de conseguir maior leveza e maiores vãos livres limitados pelo serviço de compressão. Neste aspecto, a arquitetura gótica se constitui em um limite, pois aí se conseguiu o máximo nestes dois aspectos. O outro extremo, o serviço de tração somente seria possivel com as estruturas de cabo, utilizadas pela primeira vez na arquitetura pelos construtivistas soviéticos e tornado comum apenas nas últimas décadas do século XX .

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Reconstrução de uma cabana Viking em Fyrkat, Hobro, Dinamarca, do século X. 980 d.C.

A madeira ocupa lugar especial nesta história, pois se trata do único material natural que aceita trabalhar a flexão e mesmo a tração. Esta condição a tornou indispensável como material complementar das obras monumentais, apesar de sua limitada resistência a certos agentes agressivos.

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Estrutura em madeira do telhado de um templo grego.

Não existe um templo sequer, uma catedral, um edifício monumental da Antiguidade, Idade Média ou Renascimento que não tenha utilizado a madeira para estruturar seu telhado. Neste não se pode escapar de esforços de tração e flexão. Assim, a madeira cumpriu seu papel: na construção do dia a dia, muitas vezes seria o papel principal; nas construções monumentais, um coadjuvante indispensável, que de tempos em tempos devia ser substituído, mas sem o qual o edifício estaria inacabado, e portanto, inabitável.

Forma de madeira para confecção de um arco de meia volta cerâmico, à moda romana.

(CONTINUA)

No próximo artigo: “O Século XIX”

Bibliografia

FOSTER. Michael (Ed.) The principles of architecture. Nova Iorque: Mallard, 1982.


Aviso

Vinheta Casasabrasileiras


5 Respostas para “Forma Estrutural – I

  1. Muito interessante o post! Obrigada por compartiilhar. Aguardo a continuação. Fica muito claro como a idéia de progresso que assola nossos séculos mais recentes descartam o sofisticado desenvolvimento tecnológico dos antepassados.

  2. Bom esse material, serve de fonte de pesquisa

  3. excelente material didatico

  4. Irineu Crüzn

    Muito boa essa explanação; nos incentiva a dexar as formas retas, secas, frias e sem “romance” da pressa da execução atual de edificações de hoje, para valorizarmos a criação, o sonho, o desejo e por que não dizer o ego.

  5. não achei a continuação dessa postulação , poderiam me ajudar ? Obrigado !! Gostei do Site !!

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