Técnicas construtivas do período colonial – III

As folhas das portas e janelas eram sempre de madeira e não diferiam muito conceitualmente de nossas práticas atuais. As diferenças ficam por conta das disponibilidades técnicas e características acessórias. As folhas podiam ser de réguas, de almofadas, de treliças (urupemas) ou rendas de madeira – estas últimas no caso de folhas de janelas. Mais recentemente, a partir do século XVIII, quando o uso do vidro se torna mais comum, aparecem as folhas de pinásios com vidros.

Folha de réguas (E). Porta principal fazenda em Embu e folha de almofadas (D) Janela da fazenda do Padre Inácio. Imagens Luis Saia, 1975
Janela com conversadeira
Folha de treliça. Fazenda Viegas. Imagem Cardoso 1975
Nos primeiros séculos, o vidro era artigo de luxo, “os mais custosos ornamentos no interior do Brasil”[1]. Conta-se inclusive que, nas mudanças, os moradores levavam as peças de vidro consigo[2]. Robert Smith nos conta que o primeiro a fazer menção de vidros em janelas é o viajante sueco Johan Brelin, em 1756. [3]
Janela com postigo.
Porta com folhas de pinázios.

Era comum, nas janelas, o uso de postigos, pequenas portinholas fixadas nas folhas principais, para auxiliar na iluminação e mesmo para vigia.

O mais comum era a abertura segundo um eixo vertical – abertura à francesa, ou horizontal, que hoje chamamos de basculante. Sylvio de Vasconcelos denomina as primeiras de gelosias e as segundas de rótulas. Não é entretanto uma unanimidade a denominação. Na verdade a palavra italiana gelosia significa ciúme, e designa mais o elemento que permitia às mulheres observarem o movimento das ruas sem serem vistas. “Quem está por trás das varinhas em xadrez pode ver e não ser visto. Em suma (…) traz também a idéia de zelo e ciúme.”[4] Designa portanto mais as treliças ou urupemas, e mesmo mais tarde, as venezianas, do que a articulação das janelas. Por outro lado rótula, independente de serem verticais ou horizontais, designa a articulação, o tipo de funcionamento – diferente das janelas de guilhotina por exemplo. Na literatura especializada vemos portanto os termos rótula e gelosia serem utilizados no sentido oposto ao definido por Vasconcelos, e até mesmo encontramos a palavra rótula designando as treliças, mesmo quando fixas[5], o que se constitui evidentemente num erro. Optamos portanto pela designação abertura à francesa para as janelas e portas  acionadas por dobradiças de eixo vertical. Utilizamos rótula, seguindo uso consagrado, para janelas de eixo horizontal. Adotamos gelosia como sinônimo de rótula, embora possa também designar o enchimento do quadro das janelas com treliças. Já no século XVIII tornam-se comuns as janelas de guilhotina, ou abertura à inglêsa.

(E) Rótula  (C) Abertura à inglesa. Janela de  guilhotina (D) Abertura à francesa.

Os vãos eram compostos de quatro elementos. As vergas, elemento superior, as ombreiras, laterais e os peitoris e soleiras, inferiores. Nas paredes de alvenaria, pau a pique e adobe, de menor espessura, a solução não diferia do que hoje faríamos. Nas paredes de taipa de pilão e alvenaria de pedra, mais espessas, temos uma solução característica, que chama0mos janelas de rasgo ou janelas rasgadas. Com a finalidade de aumentar a luz do compartimento, as laterais do vão eram chanfradas ou ensutadas. A parte da alvenaria que preenchia o vão da soleira até o peitoril, geralmente menos espessa que o restante da parede, chamava-se pano de peito. O espaço conseguido com o rasgo da parede, bem iluminado e fresco, recebia assentos de madeira, taipa ou alvenaria chamados conversadeiras.

Tipos de vãos. Fonte Barreto, 1975.

O peitoril levava um gradil de madeira torneada, ou de ferro batido, dizia-se que era uma janela de peitoril entalado, isto é, contido no vão. Quando projetado para fora tínhamos as janelas sacadas, simplesmente sacadas ou janelas de púlpito. Várias sacadas unidas, com espaço de circulação entre elas formavam um balcão, que usualmente era coberto pela projeção do telhado. As sacadas e balcões tinham, na parte interior um reforço estrutural, que poderia ser de madeira ou de pedra, chamado cão, cachorro, ou consolo. Estes consolos suportavam o piso da sacada, uma peça de pedra – a bacia. Os muxarabis eram construído sobre as sacadas.

O acabamento das janelas poderia ser de madeira, ou nas construções mais sofisticadas, de cantaria de pedra, material que a partir do século XIX se consagrou. Quando de cantaria, as vergas podia receber cornijas. O uso de vergas curvas ou onduladas aparecem talvez pela primeira vez no Brasil, segundo Robert Smith, em 1743, no Paço dos Governadores do Rio de Janeiro. Em Portugal fora empregado em 1717, na fachada do Palácio de Mafra, edifício assinado por João Frederico Ludovice.

O muxarabi é um dos elementos mais característicos da nossa arquitetura colonial, uma das mais persistentes influências da arquitetura árabe. Segundo Estêvão Pinto [6], muxarabi significa local fresco [7]. Para nós designa um balcão fechado por treliças, chamadas também de urupemas, geralmente com janelas de rótula. As frasquias que formavam as urupemas tinham dimensões bem pequenas, em torno de 15 mm, e eram sobrepostas, formando uma malha bem delicada.

Hoje em dia existem muito poucos exemplares de muxarabis. A vinda da Corte portuguesa foi um golpe de morte para eles. Oficialmente alegava-se que o país devia perder os ares de colônia, e assimilar as novas tendências européias, isto é, o Neoclassicismo, que não admitia a influência “espúria” da arquitetura árabe, mas somente a tradição greco-romana. Conta-se, entretanto, que o Príncipe Regente tinha medo de possíveis ataques contra ele e os membros da corte, ataques este que seriam camuflados pelas treliças. A verdade é que a operação iniciada com o intendente Paulo Fernandes Viana teve efeito devastador sobre os muxarabis. No Rio de Janeiro não restou nenhum. “A impressão era que se tinham deixado as casas em trajes menores” [8]

Muxarabi e balcão. Desenho Rodrigues, 1979.
Balcão é uma peça sacada do corpo principal, um pouco maior em profundidade que a sacada, permitindo o trânsito entre um peça e outra da construção principal pelo exterior.

As seteiras são pequenas aberturas verticais, utilizadas na arquitetura militar como vão de observação, vigia e tiro. mas são também usadas na arquitetura civil e religiosa. Os óculos têm forma circular, quadrifólio ou outras. Na arquitetura militar as seteira têm também o nome de balestreiro. Os óculos são muito comuns nas igrejas, para luminação adicional das tribunas, consistórios ou outros compartimentos. Neste caso têm moldura de pedra e são esculpidas em perfís diversos.

Óculo e seteira

As ferragens para acionamento eram as chamadas dobradiças de cachimbo ou dobradiças de leme. O leme era a chapa de ferro fixada nas folhas das portas, os quais tinham as mais variadas dimensões e desenhos. As aldrabas, ou aldravas eram pequenas argolas ou maças metálicas fixadas  em um eixo, para o visitante bater na porta; servia em outros casos, para acionar uma tranqueta e assim abrir a porta pelo lado de fora.

Dobradiças de leme
Puxadores e trancas

Aldraba. Fazenda Embu.



[1] SPIX E MARTIUS. Viagem pelo Brasil. Rio de Janeiro, 1938. Apud VASCONCELOS. 1979.

[2] Joseph de Laporte. Apud SMITH,  Robert. (1969)” Arquitetura civil no período colonial” In: Arquitetura Civil I. São Paulo: FAUUSP e MEC-IPHAN, 1975.

[3] SMITH, Op. cit..

[4] PINTO., Estêvão (1943). “Maxarabis e balcões”. In: Arquitetura Civil II.Textos Escolhidos da Revista do IPHAN. São Paulo: FAUUSP e MEC-IPHAN, 1975.

[5] No Novo Dicionário Aurélio temos Rótula. 1. Gelosia; e Gelosia 1. Grade de frasquias de madeira cruzadas intervaladamente que ocupa o vão de uma janela; rótula. 2. Janela de rótula.

[6] PINTO, Op. cit.

[7] Sítio das bebidas, ou local onde se punham as bilhas a fim de refrescar a água.

[8] PINTO, Op. cit..

[9] Ver, p. e., MONTEIRO, J. C. R. Tesouras de telhado, Rio de Janeiro: Interciência, 1976.

Bibliografia

Arquitetura Civil I, II e III. Textos Escolhidos da Revista do IPHAN. São Paulo: FAUUSP e MEC-IPHAN, 1975.

Arquitetura Oficial I e II. Textos Escolhidos da Revista do IPHAN. São Paulo: FAUUSP e MEC-IPHAN, 1975.

BARDOU, Patrick e ARZOUMANIAN, Varoujan. Arquitecturas de adobe. Barcelona: Gustavo Gili, 1981.

BARRETO, Paulo Thedim. “Casas de câmara e cadeia” In: Arquitetura Oficial I, 1975.

BAZIN, Germain. A arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983. 2 vols.

CORONA, Eduardo e LEMOS, Carlos A. C. Dicionário da arquitetura brasileira. São Paulo: Edart, 1972.

PINTO, Estêvão. “Muxarabis e Balcões In: Arquitetura Civil II.

RODRIGUES, José Wasth. Documentário arquitetônico. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Edusp, 1979.

SANTOS, Paulo F. Arquitetura religiosa em Ouro Preto. Rio de Janeiro: Kosmos, 1951.

SMITH, Robert C. Arquitetura civil no período colonial. In: Arquitetura Civil I.

VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura no Brasil: sistemas construtivos. Belo Horizonte: Unversidade Federal de Minas Gerais,  1979.

9 Respostas para “Técnicas construtivas do período colonial – III

  1. Muito educativo e de linguagen simples. Parabéns!!

  2. Gostei, muito interessante !

  3. Gostei da página muito elucidativa, sou fotógrafo e tenho bastantes janelas fotografadas, visitem o site: http://www.kimage.com,br, e procurem: Janela
    Abs

    Kim-Ir-Sen

  4. Sou arquiteta e estudo Conservação e Restauração, bem didáticos os artigos. Parabéns.

  5. Obrigada por compartilhar seu conhecimento!!

  6. Bela e perfeita descrição. 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

  7. CRISTINA PIERRE DE FRANÇA

    Muito bom.

  8. Pingback: Brise: uma tendência ecológica – MadenWood

  9. Maria Rita Fagundes

    Muito boa sua pesquisa!! Parabéns!!

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