A madeira em tempos de sustentabilidade-IV

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Quando  o  tema  da  sustentabilidade  entrou  na  pauta dos arquitetos mais conscientes, a utilização da madeira na arquitetura passou a ser encarada com certa desconfiança. Afinal de contas, poderíamos estar indiretamente contribuindo para o desmatamento de nossas reservas, indo enfim de encontro às agendas progressistas relacionadas com o nosso ecossistema.

J M Tjibaou

Centro Cultural Jean-Marie Tjibaou. Nova caledônia. 1991-98. Arquiteto Renzo Piano.

Uma das mais inspiradas utilizações da madeira na grande arquitetura.

Esta desconfiança, entretanto, é absolutamente injustificável. A madeira possui excelentes qualidades ambientais. Tem baixa energia incorporada[1], se comparada com o aço, alumínio e concreto. È, ainda, dentre os materiais utilizados na construção, o único renovável. Isto quer dizer, com a utilização do manejo florestal sustentável, a floresta de origem continuará oferecendo suas riquezas para as gerações futuras. O mesmo não se poderá dizer do concreto, pois seus componentes agregados, a areia e a pedra britada, são retirados da natureza e transformados de tal maneira que a ela não poderão voltar. Isto sem falar do cimento, grande consumidor de combustíveis fósseis, responsável por grande parcela das emissões de gás carbônico. Isto quer dizer, altíssima energia incorporada.

Casa Helio Olga

Casa Helio Olga, São Paulo, 1990. Arquiteto Marcos Acayaba.

Entretanto, talvez seja o fantasma do desmatamento de nossas reservas florestais, da exploração irracional, predatória e ilegal que assusta aqueles que desejam especificar a madeira em seus projetos. Afinal, o desmatamento é um dos grandes inimigos da sustentabilidade. Tem graves conseqüências além da perda direta dos recursos naturais, como a alteração climática, a extinção da biodiversidade, degradação do solo, influência nas águas, alterando o regime das enchentes, secas e erosões, provocando o deslocamento das culturais locais.

Afinal de contas, historicamente, o Brasil tem o próprio nome ligado à extração predatória da madeira. Lembremos que ainda no primeiro século de vida, o país viu serem extintas as suas reservas de pau brasil, na Mata Atlântica, para fornecer corante para tecidos na Europa.

Casa ConverseyCasa Conversey. Grachaux, França. Arquitetos B. Quirot e O. Vichard.

Um primeiro controle nos vem dos tempos do Império. A conhecida expressão “madeira de lei”, que em sentido amplo designa madeiras que, por sua qualidade e resistência, principalmente ao ataque de insetos e umidade, são empregadas em construção civil, naval, confecção de móveis de luxo, instrumentos musicais e artigos de decoração[2], tem origem remota, em uma lei imperial que, apesar de muito conhecida, não tem definição técnica. A Carta de Lei de 15 de outubro de 1827, incumbia aos juizes de paz das províncias a fiscalização das matas e zelar pela interdição do corte das madeiras de construção em geral, por isso chamadas madeiras de lei. A circular de 5 de fevereiro de 1858 designa as madeiras cujo corte era reservado, mesmo em terras particulares. Portanto, o corte de madeiras de construção, comumente denominadas madeiras de lei, estava interditado quer em terras particulares, quer em terras devolutas.[3] A expressão madeira de lei chegou até nossos dias ainda como sinônimo de madeira de construção, civil e naval, ou seja, conforme o dicionário Aurélio: “madeira dura ou rija, própria para construções e trabalhos expostos às intempéries”. Madeira de lei pode, ainda, se referir àquelas madeiras de alto valor no mercado.

Casa Bandeira de Mello, Itu SP, 2003. Arquiteto Mauro Munhoz.

Casa Bandeira de Mello, Itu SP, 2003. Arquiteto Mauro Munhoz.

Há que considerar, porém, que a madeira utilizada para construção, seu uso mais nobre, é apenas uma parte das árvores abatidas nas nossas florestas, aproximadamente 30% do total de toras. 37% são consumidas como carvão vegetal e 17 % como lenha industrial, o uso mais servil. Lâminas e compensados são responsáveis por 7%.[4]

Pode entretanto o arquiteto se precaver contra a utilização de madeira ilegal especificando, recomendando, exigindo, dependendo da etapa do empreendimento, madeira certificada, isto é, oriunda de processos sustentáveis de extração.

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Casa Loblolly. Ilha Taylors, Maryland. Arquiteto Kieran Timberlake.

Mas o que é madeira certificada? É a madeira que possui um atestado de um órgão reconhecido que garante ser oriunda de um processo produtivo manejado de forma correta. A certificação serve também para orientar o consumidor ou empresário a escolher um produto diferenciado e com grande valor agregado, que contribui para o desenvolvimento social e econômico das comunidades florestais.

Dentre os vários sistemas de certificação, o FSC (Forest Stewardship Council– Conselho de Manejo Florestal) é hoje o selo verde mais conhecido e aceito em mais de 75 países de todos os continentes. Este conselho foi criado como resultado de uma iniciativa para a conservação ambiental e desenvolvimento sustentável das florestas do mundo inteiro. Seu objetivo é difundir o uso racional da floresta, garantindo sua existência no longo prazo e certificar que o produto foi resultado de um manejo florestal sustentável.

Casa na Praia Brava, Ubatuba SP, 2007. Dal Pian Arquitetos.

Casa na Praia Brava, Ubatuba SP, 2007. Dal Pian Arquitetos.

Por sua vez, “manejo florestal sustentável” consiste em um controle rigoroso do processo extrativo da madeira. Começa com a seleção árvores a explorar: somente as árvores sadias, de diâmetro igual ou superior a 45 cm podem ser abatidas. As árvores remanescentes são reservadas para o ciclo de corte seguinte. Durante o corte, a queda da árvore é ajustada de maneira a evitar que ela venha a danificar outras. Estabelece-se também os ramais de arraste para levar as árvores extraídas até o pátio.

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Casa Península Vitória. Austrália. Arquiteto Sean Godsell.

O tratamento pós-exploratório consiste nos cuidados com a área de onde foi retirada a árvore. São chamados tratamentos silviculturais. Consistem em limpeza, desbaste de árvores não comerciais, plantio de enriquecimento com espécies comerciais. Estes tratamentos podem aumentar significativamente o crescimento e valor das árvores, podendo mesmo até ser o crescimento duplicado. È avaliado também o impacto sobre a floresta remanescente e sobre o solo, o desperdício, e aplicadas medidas de proteção florestal, proibindo a caça, pesca e qualquer atividade extrativa. Incluem também o controle de incêndios e invasões. A infra estrutura estabelecida para o manejo, pátios, estradas primárias e secundárias, bueiros, pontes etc. fica como um acervo da região.

Parafraseando a anedota pecuária, que diz que do boi somente se perde o berro, da madeira não se perde nada. É um excelente material estrutural, que durante séculos foi o único que admitia o serviço de flexão, versatil e resistente material para acabamentos externo, utilizável em toras, tábuas, “shingles” e réguas; pode ser utilizado como material de cobertura, e é ainda é o mais belo e utilizado material de revestimento interno, em lambris de réguas e folheados. Com os devidos cuidados, pode o arquiteto desfrutar deste material, de sua beleza, de suas propriedades estáticas e de sua versatilidade, sem nenhuma culpa.

Cópia de Rubrica SC


Aviso

Vinheta Casasabrasileiras

[1] Energia incorporada é a soma de toda a energia necessária para assegurar a elaboração de um material, desde a extração da matéria bruta, o tratamento, a transformação, a fabricação do produto final, bem como o transporte necessário em todo o processo, até sua colocação no canteiro de obra, incluíndo os gastos energéticos, de materiais e de manufatura que contribuem para sua conclusão.

[2]http://pt.wikipedia.org/wiki/Madeira_de_lei

[3][3] Osny Duarte Pereira (Direito Florestal Brasileiro,1950),

[4] Fonte IBAMA 2002.

Uma resposta para “A madeira em tempos de sustentabilidade-IV

  1. Marta Beatriz dos Santos Dall'Igna

    Ótimo artigo, apresenta a arquitetura como coresponsável com o uso da materia prima elegida para o projeto arquitetônico. Isso me encanta… e considero o escritor do texto um verdadeiro arquiteto, Silvio Colin, pois sabe olhar para além do ato de projetar, ele se projeta e se inclui como parte do ecosistema. Parbéns.

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