Quem acredita no Modulor?

Silvio Colin


O início dos anos 1940 foi um período de vacas magras para Le Corbusier. Muito diferente dos anos vinte, quando a França emergiu vencedora da primeira guerra e experimentou anos de euforia, época em que LC cunhou suas primeiras propostas racionalistas, desde a cidade de Três Milhões de Habitantes à Villa Savoye, agora a Europa estava em ruínas, e a França saia de um clima de ocupação e derrota. A proposta estética da cultura da máquina servindo ao progresso se desvaneceu. A arquitetura moderna era agora um ralo verniz para a caixa utilitária. Poucos anos mais tarde, o mestre suíço deixaria de ser o arrogante arauto do racionalismo para tornar-se o grande poeta das formas macivas de concreto.

Talvez a falta do que fazer em 1943 e o rompimento da sociedade de mais de duas décadas com o primo Pierre Jeanneret levaram LC  a trabalhar sobre uma demanda da Associação Nacional Francesa para Estandardização (AFNOR), para estandadizar  todos os objetos envolvidos no processo de construção. Era o princípio do Modulor, um sistema de medidas baseada na altura de um homem . As medidas do Homem Modulor estava baseada, inicialmente, na altura média de um homem francês: 1.75m. Posteriormente, foi mudado para os míticos seis pés, dos belos heróis romanescos das histórias policiais inglesas: 1, 829 m.  O livro Modulor foi publicado em 1948 e o Modulor II em 1957.

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O Modulor foi, pois, concebido como um instrumento regulador de medidas da escala humana universalmente aplicável. Possuía duas escalas interrelacionadas, as séries azul e vermelha, cujas medidas governavam o dimensionamento de todos os artefatos interiores e mesmo exteriores do edifício. Obviamente que Le Corbusier não deve ter-se valido muito do instrumento que inventou, sobretudo quando seu agudo olho de artista lhe apontava a dimensão correta.

Mas foi suficiente para orientar seus milhares de seguidores, pelo mundo afora, sobretudo os menos talentosos, que viam no sistema  a “solução final”, e não hesitavam em aplicar-lhe o termo “genial”. Eu mesmo, certa vez, quando desenhei um balcão de bar com a altura de 1,15 m, ouvi de um cliente, que também era arquiteto, a sugestão, “Coloque 1,13 m, que é a dimensão do Modulor.” O sistema corbusiano, nos anos 1950, trouxe para o mundo arquitetônico a obsessão racionalista de uma arquitetura encarada como um microcosmo de leis naturais regidas pela matemática.

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Muitas objeções podem ser feitas ao Modulor. Em primeiro lugar, vejamos o seu ponto de partida, o Número de Ouro, o numero irracional Φ (phi), uma obsessão clássica secular. O número é um paraíso de relações matemáticas. Equivale a 1,618033989…  e sua fórmula de obtenção é 1+ √5 / 2 . Se tomarmos um segmento e o dividirmos de tal maneira que a proporção entre o segmento total  “a” e o segmento maior da divisão “b” seja igual à proporção entre os segmentos menores “b” e “c”, esta razão equivale ao número Φ. É chamada de razão áurea, ou proporção áurea.

O retângulo áureo, cuja razão entre os lados é Φ, é tido como o retângulo perfeito, e foi utilizado pelos artistas clássicos e mesmo pelos modernos racionalistas de maneira mítica.

Pois bem, uma coisa é o universo de certezas da matemática, e outra o universo de incertezas da arte e da arquitetura. A Psicologia da Forma rebate o suposto equilíbrio do retângulo áureo baseado em forças místicas. Dizem os gestaltistas que, sendo o quadrado uma forma muito forte, qualquer retângulo cujas dimensões se lhe aproximem, tenderá a ser visto como um quadrado mal feito. Um retângulo formado por dois quadrados é, também, uma forma forte.

O retângulo áureo é apenas um retângulo cujas dimensões ficam em uma região de equilíbrio, onde estas tensões são anuladas, que não podem, entretanto,  ser reduzidos a um só número, mas a uma faixa.

A segunda objeção que podemos fazer é ao numero básico, ponto de partida do Modulor: o homem de seis pés de altura, o homem belo dos romances policiais ingleses.

Inicialmente, Le Corbusier pensou em adotar a altura de 1,75, altura média do homem francês médio, mas mudou de idéia.

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Ora, o mundo não é habitado por heróis de romance. Qual o sentido de fazer móveis e esquadrias pensando neste herói. E o longo capítulo das mulheres? Elas não foram pensadas no Modulor.

A terceira objeção é com relação à determinação do umbigo como estando na proporção áurea do corpo. Isto não é verdadeiro. É uma redução matemática que pode valer para uma pintura, mas é insustentável para orientar a produção industrial, como era o objetivo do Modulor. Afinal, o importante são as medidas das articulações do corpo, joelhos, quadris, cotovelos, e não o umbigo.

Fiz algumas pesquisas para aferir a veracidade do Modulor. As proporções apresentadas pela La Bündchen me parecem ótimas. Acho que todos concordarão. É puro charme, beleza, sensualidade.

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A relação da altura total da Gisele para a altura do seu umbigo não é o número Φ (phi) – 1,618, mas o número 1,5713. Não é oficial, eu apenas medi na foto, mas é próximo. Eu sugiro que seja chamado de número Gi, uma vez que já temos π (pi) e o φ (phi).

Em vez do policial inglês do romance, porque não utilizar como padrão uma criatura mais inspiradora. Minha sugestão é fazer um novo Modulor partindo de 1,80, a altura da La Bünchen. Ou melhor, ficar com quem entende de ergometria, como o Zelnik e o Panero [1] .


[1] ZELNIK, Martin e PANERO, Julius. Dimensionamento humano para espaços interiores. (Barcelona : Gustavo Gili.)

Bibliografia

CURTIS, William J. R. Le Corbusier. Ideas and forms. Londres, Nova Iorque: Phaidon, 1986. P. 162-6.

LE CORBUSIER. The Modulor: A Harmonious Measure to the Human Scale, Universally Applicable to Architecture and Mechanics. Basel & Boston: Birkhäuser, 2004.


6 Respostas para “Quem acredita no Modulor?

  1. Pedro Oliveira

    rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs…
    Essa foi muito boa Silvio… já ouvi de muitos arquitetos esse papo do “modulor”… e sempre pensava: “Mas gente… isso é adequar a pessoa (usuário) ao projeto… não deveria ser o contrário?” Agora tenho a opção do número Gi para retrucar… hehehehehehehe
    É sempre um prazer visitar seu blog…
    Parabéns…

  2. Gaio Carvalho

    Aprovado o número Gi. …ou Ghi, para ficar mais acadêmico.

  3. Valdir Ribeiro Junior

    Em seu livro Le Corbusier deixa claro que a medida base é a do herói dos romances policiais, porém que esse número foi gerado pela necessidade de que se coincidissem os valores tanto no sistema métrico como dos pés e polegadas.
    Portanto, apesar de concordar com vc na idéia geral, o argumento foi um pouco arbitrário. Afinal, como citado por vc, era um momento de ”vacas magras”, ocupação nazi e depois o pós-guerra. Ou seja um momento em que era essencial um sistema que proporcionasse a reconstrução, no tempo mais curto possível. Para isso era essencial uma união dimensional entre metros e polegadas, ou França e Inglaterra – países devastados – e EUA – país fornecedor.

    Sem exageros, sei que o objetivo era tratar com humor. Mas é bom que a verdade seja dita, ou digitada.

    Saudações!
    – Curto o blog de montão. Termine de ler o livro, sem preconceitos!!

  4. Se era essencial uma união dimensional entre metros e polegadas, entre França, Inglaterra, e EUA, tal não foi conseguido. Portanto não devia ser tão essencial assim, pois a forja universal, como diria o Le Corbusier continuou trabalhando e produzindo.
    O grande problema, volto a dizer, não era o Le Corbusier, que nunca deve ter-se utilizado do Modulor, mas dos milhares de incautos que ele convenceu, baseado nos apelos do racionalismo e da tradição clássica. Eu fico perplexo de ver alguém defendendo as sandices do Modulor, sendo a maior delas o uso da medida de herói romanesco “six feet tall”.(1,82 m) Isso não pode ser sério em termos de ergometria. Pode valer para escolher o ator para o James Bond: o Sean Connery tinha 6′ 2″ (1,88 m), o Roger Moore tinha 6’1″ (1,85 m), mas o atual, Daniel Craig é mais baixinho, tem 5’10” (1,78 m). O que prova que nem no ambiente dos romances, onde surgiu, o seis pés de altura estão valendo. Somente para constar, os tais 1,83 m do Modulor não valem em nenhuma parte do mundo. Na Inglaterra a média de altura é 1,77 m para homens e 1,64 m para mulheres; nos Estados Unidos e França 1,76 m para homens e 1,62 m para mulheres; no Brasil, 1,73 m para homens e 1,61 m para mulheres.
    Valdir, esqueça o Modulor. vamos para o numero Gi.
    SC.

  5. Valdir Ribeiro Junior

    Peço desculpas pela insistência, porém queria que ficasse claro que apesar de concordar com a invalidade do modulor e principalmente da medida base para tal, o que defendo é a ideia.
    Sim, o modulor não alcançou o seu objetivo. Assim como o socialismo teórico, assim como muitas das invenções de da Vinci e das hipóteses da física quântica. Porém serviram de base para que a roda da invenção seguisse girando.
    Caso esteja disposto, queria que me explicasse a “Unidade de Habitacional de Marselha”, não é uma aplicação do Modulor?

    Acontece que na escola de arquitetura sempre me foi passado essa história dos “1,82 m do herói…”, até que tive a oportunidade de ler o Modulor I e II e constatar que era só uma figura de linguagem, que Le Corbusier tinha um objetivo concreto e não era apenas um romântico levemente fascista.

    Valdir Ribeiro

  6. FRANCINE DE JESUS PESSANHA

    “Contudo, a ergonomia só adquiriu status de uma disciplina mais formalizada a partir do início da década de 1950, com a fundação da Ergonomícs Research Society, na Inglaterra. Diversos pesquisadores pioneiros, ligados essa sociedade, começaram a difundir seus conhecimentos, visando a sua aplicação industrial e não apenas militar, como tinha acontecido na década anterior.” Itiro lida – Ergonomia
    Projeto e Produção.

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