Morfologia das Igrejas Barrocas II

Morfologia das Igrejas Barrocas no Brasil (II)

O PERÍODO DE MINERAÇÃO

Com a descoberta de ouro em Minas Gerais, na virada do século XVII para o século XVIII, a configuração político administrativa do país desloca-se do Nordeste para o Centro-Sul do país. Já em 1572 o Brasil tinha dois governos, um no Rio e outro em Salvador, o que contribuiu para o desenvolvimento da cultura da cana-de-açúcar na região fluminense. Em 1763, o Rio substitui Salvador como capital do vice-reino e torna-se o centro do poder econômico e político no Brasil.

A este momento histórico corresponde também uma mudança na organização política na igreja e morfológica nos templos. As igrejas das ordens monásticas vão perder espaço em termos de construção para as igrejas paroquiais e das confrarias, que consistiam em sociedades religiosas de leigos que tiveram papel ativo em vários setores da religião, política e cultura. As mais importantes são as do Rosário (muitas destas propriedade dos negros), as Ordens Terceiras do Carmo e de São Francisco – redutos aristocráticos muito fechados, e as Irmandades do Santíssimo Sacramento. Estas muitas vezes construíam templos mais grandiosos e luxuosos do que as próprias ordens.

Passo da ponte seca - Cópia

Passo da Ponte Seca

Quanto à forma da igreja, o século XVIII vai apresentar algumas variações à pesquisas anteriores. No caso de Minas Gerais, Paulo Santos desenvolve sua análise morfológica seguindo um caminho diverso daquele de procurar nos modelos externos as configurações das igrejas de Ouro Preto [1]. O autor vai buscar a origem daquelas igrejas na tradição local,  nos passos, pequenas capelas que somente uma vez por ano, por ocasião da Sexta Feira Santa são abertas para a celebração dos passos da Paixão.  Destes, as construções crescem para a frente, para incluir a nave, e para o lado, para incluir a sacristia. São as Capelas.

Característica de todas as igrejas de Ouro Preto, sem qualquer exceção é que as sacristia desloca-se para traz da igreja ocupando toda a parte dos fundos. Por cima da sacristia, aparece então o consistório, espaço privativo para assembléia ou reunião de congregações laicas ou pararreligiosas afiliadas à paróquia e por cima dos corredores as tribunas, com várias sacadas abrindo para a capela-mor.

Passos de Ouro Preto

Passos de Ouro Preto

AS CAPELAS

Capela do Padre Farias JPG

Capela do Padre Faria. Ouro Preto, 1710.

Sant'Ana de Ouro Preto

Capela de Sant’Ana. Ouro Preto, 1720.

N S Piedade Ouro Preto - Cópia

 Capela de N. S. da Piedade


AS IGREJAS

Partido de Planta Retangular

Para entender as transformações tipológicas, a migração de uma idéia para outra, não podem ser buscados critérios cronológicos. Muitas vezes uma idéia mais “adiantada”, no que concerne a um percurso formal, vai ser encontrada mais cedo que outra. Isto se deve a uma gama de fatores que envolvem a produção arquitetônica, tais como fatores geográficos, influências, e mesmo disponibilidade tecnológica, ou de mão-de-obra.

Tipos

No caso do nosso barroco tardio religiosos, observamos que a forma das igrejas caminha do esquema número 1, que bem representa as igrejas monumentais, para os esquema 2 e 3, das igrejas do Período de Mineração. No primeiro caso está uma solução de planta afinada com a tradição Barroca: nártex, ladeado ou não por torres sineiras, nave principal com capelas laterais, intercomunicáveis ou não, altar-mór ladeado pela sacristia e consistório, com corredores laterais ligando estes últimos às torres e nártex. Tudo iso com formas quadrangulares e paredes planas.

 Abaixo estão os novos esquemas. No segundo temos o corredor lateral se encurtando, ladeando apenas a área do altar e presbitério, que se aprofundam muito. Os altares laterais ou desaparecem ou ficam embutidos ou projetados das paredes laterais. A sacristia desloca-se para trás, e o consistório fica acima desta última. É o tipo da igrejas de Nossa Senhora do Carmo, São Francisco de Assis, Nossa Senhora da Conceição e tantas outras de Ouro Preto. 

O terceiro esquema é o da dupla oval, semelhante ao segundo no posicionamento das peças, porém com a nave oval, com templos menores, de igual suntuosidade interna, paredes curvas, também com o altar mais profundo, e com o consistório acima da sacristia.É o caso da Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, no Rio de Janeiro, Nossa Senhora do Rosário de Ouro Preto e de São Pedro dos Clérigos de Mariana.

Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Antonio Dias.

Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Bairro de Antonio Dias. Ouro Preto. 1727-46

Igreja de Nossa Senhora da Conceição, no bairro de Antonio Dias, Ouro Preto, uma das mais antigas paróquias de Minas, da primeira década do século XVIII, é das maiores em tamanho e suntuosidade, cuja planta com dois retângulos é ainda típica do século XVII. Concebida e executada por Manuel Francisco Lisboa, pai de Aleijadinho. Foi construída entre 1727 e 1746. Formalmente é um tipo intermediário entre as grandes igrejas do período Monumental e os edifícios menores do período de Mineração. Composto apenas de paredes planas, mantem alguns espaços já tradicionais como a galilé, a nave e o altar, como antes, destacando-se a importante presença do corredor lateral em toda a extensão.  Porém o altar-mor  se aprofunda muito, as capelas laterais perdem importância estrutural, ficando embutidas nas paredes ou projetadas pelas talhas. O consistório já aparece acima da sacristia.

Igreja de Santa Efigênia

Igreja Santa Efigênia Ouro Preto

  Igreja de Santa Efigênia. Ouro Preto.

Basicamente, a diferença desta planta para a da anterior é que o corredor lateral não mais ocupara toda a extensão do edifício, mas apenas a área do altar e do presbitério. Este será o padrão de corredor lateral adotado na maioria das igrejas do Periodo da Mineração, que terá como substrato tipológico o desenho da dupla oval.

Nossa Senhora do Pilar

Igreja de Nossa Senhora do Pilar. Ouro Preto. 1736.

N S Pilar Ouro Preto Planta - Cópia

Igreja de Nossa Senhora do Pilar. Ouro Preto. 1736.  Planta.

Sua planta representa um passo importante, pois já aparece ai a nave de planta oval, embora executada em tabique de madeira, e contida por espessos muros de taipa, retos e planos.  O traçado poligonal é atribuído a Antônio Francisco Pombal. A talha do altar mor, considerado uma obra prima, foi realizada por Francisco Xavier de Brito, entre  1746 a 1751. Esta estrutura da nave foi criticada por Paulo Santos:

“O divórcio entre a estrutura do edifício e a da nave, visando efeito meramente decorativo, valorizando a forma com sacrifício da função, revela grande falha da arquitetura, que não se observa, por exemplo, na igreja do Rosário, em que a nave tendo a forma oval, também a têem as paredes que constituem a estrutura do edifício.” [2]

S Francisco Assis Ouro Preto

Igreja de São Francisco de Assis. Planta baixa.

 

Igreja de São Francisco de Assis. Planta baixa.

Datada de 1765, no ápice do desenvolvimento da cidade, a Igreja de São Francisco de Assis é um marco do Barroco brasileiro e mundial, considerada por muitos críticos como a obra prima de Aleijadinho e Manuel da Costa Ataíde, que assinam a maioria das obras de talha e pintura. A planta explora todas as possibilidades formais do Barroco, com as paredes dinâmicas e movimentadas, porém o desenho geral mantém as paredes principais da nave e do altar planas e paralelas.

igreja_carmo_medium Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Ouro Preto.

  Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Ouro Preto. Plantas;

A igreja de Nossa Senhora do Carmo contou com risco de Manuel Francisco Lisboa, de 1766, tendo contado com a colaboração de Aleijadinho e Manoel da Costa Ataíde na sua ornamentação, é um outro ponto alto do Barroco do período de Mineração. Tipologicamente semelhante à Igreja de São Francisco de Assis, com as paredes da nave e altar planas e paralelas, diferenciando-se da primeira pelas torres sineiras mais salientes.

O Partido de Dupla Oval

Há uma tendência na arquitetura barroca de explicitar o drama por meio do movimento das paredes e do claro-escuro. Uma das primeiras plantas de igreja barroca a acusar esta tendência foi a célebre São Carlino das Quatro Fontes, em Roma, de Francesco Borromini. Outros testemunhos desta tendência de planta, citados por Paulo Santos [3]são o Convento das Monjas Bernardas, em Alcalá de Henares, Madrí, fundado em 1613, a igreja do Mosteiro de Banz, 1719, a Wallfahrts Kirche , em Bamberg, Bavaria, construída entre 1743 e 1772, pelo arquiteto Balthasar Neumann, a Igreja de São Marcos, de Madri, construída de 1749 a 1753 pelo arquiteto Ventura Rodrigues. Este autor desenvolve uma profícua análise de influências cruzadas, determinando o aparecimento da forma oval nas naves

Bem proximo de nós está a igreja de São Pedro dos Clérigos, do Porto, projetada pelo arquiteto Nicolau Nasoni, e construída entre 1732 a 1750. A igreja homônima do Rio de Janeiro, é muito dinâmica e original em sua planta, com a nave oval, semelhante a do Porto, mas também apresentando as  capelas laterais, como no Convento das Monjas Bernardas, mas cuja influência mais remota nos leva talvez a Santo Andre do Quirinal, em Roma, de 1661-70, de Bernini.

San Carlo alle Quattro Fontane (2)

San Carlo alle Quatro Fontane. Francesco Borromini. 1538-67

São Pedro dos Clérigos. Porto. 1732-50

São Pedro dos Clérigos Planta

São Pedro dos Clérigos. Rio de Janeiro. 1733-38

Igreja de Nossa senhora da Glória do Outeiro. Rio de Janeiro. 1741.

A Igreja da Glória do Outeiro, realiza, quem sabe pela primeira vez, o partido da dupla oval, em sua forma madura, que irá inspirar a Igreja do Rosário, em Ouro Preto e São Pedro dos Clérigos de Mariana. Entretando estas ovais são feitas, neste caso, facetadas em segmentos planos, compondo-se, na verdade, não de duas ovais e sim de dois octogonos .

São Pedro dos Clérigos Ouro Preto

Igreja de São Pedro dos Clérigos. Mariana. 1771(?)-80

Nossa Senhora do Rosário Ouro Preto

Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Ouro Preto. C. 1763

Igreja N S Rosário Ouro Preto Plantas

  Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Plantas.

Aviso

BIBLIOGRAFIA

1. BAZIN, Germain. A arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983. 2 vols.

2. CORONA, Eduardo e LEMOS, Carlos A. C. Dicionário da arquitetura brasileira. São Paulo, EDART, 1972.

3. COSTA, Lúcio. Arquitetura Brasileira. Rio de janeiro: Ministério da Educação e Saúde. 1952

4. LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Arquitetura brasileira. São Paulo, Melhoramentos/ Edusp, 1979.

5. MÜLLER, Werner e VOGEL, Gunther. Atlas de arquitetura. Madrid: Alianza, 1989. Vol

6. SANTOS, Paulo F. Arquitetura religiosa em Ouro Preto. Rio de Janeiro: Kosmos, 1951.

7. SANTOS, Paulo F. Quatro séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981.

8. ZANINI, Walter (Coord.) História geral da Arte no Brasil.São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983, 2 vols.


[1] SANTOS, Paulo F. Arquitetura religiosa em Ouro Preto. Rio de Janeiro: Kosmos, 1951.

[2] Idem, p. 136.

[3] Idem P. 145 e seg.

Vinheta Casasabrasileiras

7 Respostas para “Morfologia das Igrejas Barrocas II

  1. Por favor, eu preciso de uma planta da Igreja de São José (Ouro Preto), pois isso aquie algumas igrejas. Se alguém puder me ajudar meu email é camilocabezass@gmail.com. OBRIGADO

  2. José Eduardo de Oliveira

    parabens! muito interessantes, I e II e o resto.

  3. Cara… Esse teu material é muito bom!
    Tô impressionado. Parabéns!!!

  4. Renata Louzada Borchardt Gomes.

    Por favor, verifique a data da igreja de São Francisco de Assis, creio que vocês se equivocaram ela é datada de 1766 ao invés de 1966.

  5. Grato Renata. Já foi corrigido.

  6. O porque dos corredores laterais? Qual sua função?
    Obrigado!

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