Follies

Silvio Colin

No âmbito da arquitetura uma folly (em inglês  loucura, tolice), como a própria palavra adverte, é um edifício curioso, extravagante, bizarro, frívolo ou irreal, geralmente um ponto de atração em um parque, jardim ou propriedade rural. Não é um edifício desprovido de utilização prática. Pode ser um pavilhão, um gazebo, um ponto de referência, até mesmo uma residência. Porém são considerados mais por sua expressão artística, simbólica ou curiosidade.

Castelo no Hagley Park. Arquiteto Sanderson Miller. 1747. Imagem <www.en.utexas.edu>

A história das follies remonta aos meados do século XVIII, quando os aristocratas europeus do continente, nomeadamente França, Alemanha, Bélgica etc. e da Inglaterra e Escócia encontravam em suas propriedades marcas das civilizações antigas que haviam abrigado, e restos de séculos de guerras. Construções em ruínas passavam a ser a atração principal de uma propriedade aristocrática ou burguesa rural.  Quando estas ruínas não eram encontradas, eram simplesmente construídas, em uma prática de frivolidade típicas destas classes sociais.

Existe mesmo uma irmandade, a The Folly Fellowship, sediada em Londres, organização sem fins lucrativos, criada em 1988,  para proteger, preservar e promover as follies, grutas e construções similares em jardins públicos e privados.

Strawberry Hill. Twickenham, Londres. 1748.

Precisamente nos parques e jardins públicos e privados aparecerão, na Europa ocidental em meados do século XVIII, essas curiosas manifestações do gosto híbrido da nascente alta burguesia, que serão uma das bases para o surgimento, mais tarde, da arquitetura Neogótica. As  follies eram uma prática quase obrigatória nos locais de amenização, atestando que o apreço à natureza não significava a rejeição à fantasia e ao artifício: simulacros de ruínas de partes de edifícios históricos como aquedutos, pedaços de pórticos, ou simples capitéis ou fustes de colunas gregas ou romanas, mesmos ruínas autênticas preservadas, grutas rococó, vacarias góticas, cabanas rústicas, celas de eremitas, sem falar em edículas como caramanchões, pérgulas e casas de chá, de inspiração menos bizarra porém não menos exótica, como pagodes chineses, gazebos hindus ou pavilhões egípcios.

Algumas dessas follies tornaram-se canônicas, como o castelo em ruínas no Hagley Park, no Condado de Worcester, perto de Birmingham, projetado pelo arquiteto Sanderson Miller em 1747. No mesmo parque, dez anos mais tarde, o arquiteto James Stuart construiria um templo dórico. Todas estas realizações eram, entretanto de pequeno porte. Somente quando Horace Walpole erigiu a sua mansão de campo, a Strawberry Hill, em Twickenham, perto de Londres, obra começada em 1748, mas que se estendeu por quase trinta anos, é que as atenções dos arquitetos se voltaram para as possibilidades expressivas da arquitetura medieval.

Fonthill Abbey. Wilts. Arquiteto James Wyatt. 1776-1807. Imagem. Intervenção sobre <en.wikipedia.org>

A mais ambiciosa e conhecida  follie era a Fonthill Abbey, no Condado de Wilts . Seu proprietário era William Beckford, em excêntrico conaisseur [1]. Consistia em um grupo assimétrico de pavilhões em torno de uma torre octogonal central. Sua forma era a de uma abadia em ruínas com a capela, o dormitório e parte do claustro ainda em pé; seu desenho fora inspirado nas descrições e gravuras de uma monografia, publicada por James Bentham em 1771, sobre a Catedral de Ely, o primeiro estudo mais detalhado sobre a arquitetura medieval na Inglaterra. Seu projeto e construção ocupou o arquiteto James Wyatt de 1796 a 1807. Carecia ainda a cultura gótica de um maior estudo, de maneira que os caprichosos entravamentos estruturais e espaços misteriosos foram aplainados e reduzidos somente a apliques murais. A torre desmoronou em 1825, mas as gravuras e desenhos nos mostram a poderosa imagem de reação ao Renascimento inglês.

O culto das follies, apesar de terem propiciado o ressurgimento do romantismo medievalista, estava mais ligado à cultura do Ecletismo, que será a maior expressão da arquitetura oitocentista a partir dos anos 1850. O Kew Gardens, o jardim botânico de Surrey, sul da Inglaterra, continha talvez a maior coleção de follies– um templo de Pan, um teatro romano, uma mesquita, uma Alhambra, uma catedral gótica, e ainda um pagode, ainda existente projetado por nada menos que Sir William Chambers. Outro exemplo significativo é a Abadia de Lacock, no condado de Wilts (1755), de Sanderson Miller.

Pagode em Kew Garden. Arquiteto Sir William Chambers. 1972. Imagem <http://dic.academic.ru&gt;

A prática não estava restrita à Grã-Bretanha. Na França vamos encontrar significativos exemplares como o pavilhão de caça do Chateau de la Reine Blanche, em Oise, entre Paris e Amiens, a casa do Marquês de Forbin-Janson, em Mont-Valerien, oeste de Paris, começado em 1820, ou ainda o Pagode de Chanteloup, na floresta de Amboise, do arquiteto Le Camus (1775-78), uma expressiva chinoiserie10, tão em moda. Na Itália temos a Cappella dei Templari, na Villa Vigodarzere, perto de Pádua, do arquiteto Giuseppe Jappelli, de 1817.

Pagode de Chanteloup. Floresta de Amboise. Vale do Loire. Arquiteto Nicholas Le Camus. 1775-78. Imagem <http://1.bp.blogspot.com>pagode de chanteloup.

Estas follies eram frequentemente objecto de uma aposta ou uma rivalidade entre os os nobres. Assim, a Folie de Bagatelle (cujo nome exprime a sua própria forma de desafio), construída em 64 dias (em 1777), foi objecto de uma aposta entre o Conde de Artois e da rainha: ela Ele argumentou que “Bagatelle” seria construído durante a viagem do rei para Fontainebleau, ea aposta foi feita, com o arquiteto Belanger, um especialista nestas construções.

Folie de Bagatelle. Arquiteto François Bélanger. 1777.

Quando Bernard Tchumi coloca as suas Folies no Parc de La Villette, em pleno ambiente arquitetônico desconstrutivista do final do século XX, mostra que está historicamente respaldado em uma tradição de cerca de três séculos. Os seus edifícios, muitos deles sem função, marcando pontos vermelhos no grande tapete do parque, são citações àquelas frivolidades oitocentistas.

Folies de La Villette. Imagens <www.waymarking.com>


NOTAS

[1]  Pessoa que possui grande conhecimento das Belas Artes ou especialista em artes industriais tradicionais, como, por exemplo, cerâmicas e porcelanas exóticas.

 

Uma resposta para “Follies

  1. Eduardo Rosa moreira

    Adorei o texto, muito bom, e olha que raramente tenho paciência para ler no computador.

Deixe um comentário