Arquitetura Desconstrutivista III

Mark Wigley

Do livro Deconstructivist Architecture. Nova Iorque: The Museum of Modern Art, 1988.

Tradução e edição de Silvio Colin

(Continuação)

Embora a arquitetura desconstrutivista ameace essa propriedade fundamental dos objetos arquitetônicos, não constitui uma vanguarda. Não é uma retórica do novo. Melhor dizer que que expõe o estranho escondido no tradicional. É um choque do antigo. Tira proveito da debilidade da tradição para altera-la, em vez de superá-la. Como a vanguarda Moderna, pretende ser inquietante, alienante.

City Edge. Berlim, 1987. Daniel Libeskind

Mas não a partir da retaguarda da vanguarda, não a partir das margens. Mas ocupando e alterando centro. Esta obra não é fundamentalmente distinta das antigas tradiçõesque questiona. Não abandona a tradição. Pelo contrário, habita o centro da tradição para demonstrar que a arquitetura esteve sempre infectada, que a forma pura sempre esteve contaminada. Ao habitar completamente a tradição, obedecendo sua lógica interna mais rigorosamente do que nunca, estes arquitetos descobriram  certos dilemas dentro da tradição  que aqueles que passam sonâmbulos para ela não conseguimos vislumbrar.

Arquitetura desconstrutivista, portanto, coloca problemas, tanto no centro como nas margens, tanto para a maioria conservadora como para uma franja radical da profissão arquitetônica. Nenhum deles pode apropriar-se dessas obras. Elas não podem ser simplesmente imitadas pelos marginais, pois eles exigem um profundo conhecimento dos meandros da tradição e, portanto, cumplicidade com eles.

Skyline. Hamburgo, 1985. Coop Himmelblau

Mas também não pode ser feita  a partir do centro, eles não podem ser tão facilmente assimiladas. Convidam ao consumo, usando tradicionais formas arquitetônicas, tentando faze-las aceitas tal qual são, mas, ao infectar essas formas, sempre produzem um tipo de indigestão. É neste momento de resistência crítica que adquirem sua maior força. Muitas obras supostamente radicais, nos últimos anos, têm se auto-neutralizado por manter-se em uma posição marginal. Foram desenvolvidos projetos brilhantemente conceituais, com aspecto talvez mais radical do que os do presente exposição, mas sem o mesmo poder, uma vez que não enfrentam o centro da tradição marginalizando-se a si mesmos pelos próprios ao excluir a construção.

Ditos projetos não se defrontam com a arquitetura, mas fazem sofisticadas glosas dela. Produzem uma espécie de comentário da construção, se se destinar a construir. Tais desenhos carregam o estigma da desconexão com as vanguardas históricas. Habitam as margens, a linha de frente, a fronteira. São a projeção do futuro, de mundos novos, de fantasias utópicas. Em contraste, as obras apresentadas nesta exposição não é uma projeção do futuro nem uma simples lembrança do passado. Antes é um intento de vestir-se com a tradição viva, imitando-a a partir do centro. A arquitetura desconstrutivista encontra as fronteiras, os limites da arquitetura, ocultos dentro das formas cotidianas. Encontra um território novo dentro de objetos antigos.

Parque La Villette. Paris, 1985.

Esta obra  tolera o tipo de observação que habitualmente só é possível nos domínios distantes da realidade das formas construídas. Os projetos são radicais precisamente porque não se coloca nos santuários do desenho, da teoria ou da escultura. Habitam o reino da construção. Algun foram construídos, outros seriam construídos, outros não serão jamais levados à realidade, mas todos são passíveis de construção, todos estão orientados para ser construídos. Desenvolvem uma coerência arquitetônica, ao enfrentar os problemas básicos da construção – a estrutura e a função – embora de forma pouco convencional.

Folie do parque La Villette. Bernard Tchumi. 

Ema cada um dos projetos, a estrutura tradicional de planos paralelos, erguidos horizontalmente a partir do plano do solo, e contidos em uma forma regular, se retorce. O marco está distorcido, inclusive o plano do solo esta deslocado. Questiona-se a forma pura levando a estrutura a seus limites, porém não mais além destes. A estrutura se desloca mas não cai. Apenas é levada ao ponto em que começa a ser inquietante. A obra produz uma sensação de desconforto quando os solos e as paredes comoçam a mover-se de forma inquietante, tentando-nos a buscar segurança em alguma coisa perto das bordas. Porém, se estas estruturas produzem uma sensação de insegurança, isto não se deve à sua fragilidade. São edifícios extremamente sólidos. O que sucede é que a solidez se organiza de maneira pouco familiar, altrerando o nosso senso comum de estrutura. Apesar de serem estruturalmente estáveis, são, ao mesmo tempo estruturalmente terroríficas.

Esta alteração do sentido tradicional da estrutura tambél altera o sentido tradicional da função. Os modernos, em sua época, diziam que a forma seguia a função e que as formas de eficiência funcional teriam necessariamente uma geometria pura. Mas sua estética não levava em conta a qualidade desordenada dos requisitos funcionais reais. Na arquitetura desconstrutivista, não obstante, a ruptura da forma pura resulta em uma complexidade dinâmica de condições concretas que é mais afinada com a complexidade funcional. E além disso, as formas são alteradas antes, e só então dotadas de um programa funcional. A forma não segue a função, mas a função segue a deformação.

The Peak. Hong Kong. 1982. Zaha M. Hadid

Apesar de questionar as idéias tradicionais sobre a estrutura, estes progetos são rigorosamente estruturais. Apesar de questionar a retórica funcionalista do movimento moderno, cada projeto é rigorosamente funcional.

Para a maioria dos arquitetos, este compromisso com a construção é uma virada recente,  que mudou completamente o tem de suas obras. Deixaram suas complexas abstrações para enfrentar a materialidade dos projetos construídos. Esta mudança confere a suas obras um fundo crítico. A obra crítica só se pode fazer no limite do construído: para comprometer-se com o discurso, os arquitetos têm que comprometer-se com a construção. O objeto se converte no lugar de colocação de toda a inquietação teórica. Os teóricos se vêem forçados a sair do santuário da teoria, os práticos despertam de sua prática sonambúlica. Ambos se encontram no reino da construção e se comprometem com objetos.

Isto não debe ser entendido como um afastamento da teoria, mas indica que o papel tradicional da teoria mudou. Já não é um domínio abstrato que defende e rodeia os objetos, protegendo-os de um exame por meio da mistificação. A teoria arquitetônica geralmente rechaça um encontro com o objeto. Preocupa-se mais em velar do que expor os objetos. Neste s projetos, toda a teoria está presente no próprio objeto. As proposições tomam a forma de objetos mais do que abstrações verbais. O que conta é a condição do objeto, não a teoria abstrata. Com isso, a força do objeto faz com que a teoria que o produziu seja irrelevante.

Consequentemente, este projetos podem ser considerados fora de seu contexto teórico habitual. Podem ser analisados em termos estritamente formais porque a condição formal porque a condição formal de cada objeto inclui toda sua força ideológica. Tal análise serve para uma aproximação com arquitetos altamente conceituais a outros mais pragmáticos. Eles se unem para produzir objetos inquietantes que interrogam a forma pura de tal maneira que expõem a condição reprimida da arquitetura.

The Peak. Hong Kong. 1982. Zaha M. Hadid

Isto não quer dizer que façam parte de um novo movimento. A arquitetura desconstrutivista não é um “ismo”. Mas tampouco são sete arquitetos independentes. Trata-se de um peculiar ponto de interseção entre arquitetos muito diferentes que se movem em direções diferentes. Estes projetos são breves momentos em programas independentes. Claramente influenciam-se mutuamente. De formas muito complexas, mas não formam uma equipe. São, enfim, uma aliança incômoda. Esta exposição trata tanto do incõmodo como da aliaça.. O episódio  terá uma vida curta. Os arquitetos continuarão seus caminhos diferentes, Seus projetos não servirão para autorizar uma certa maneira de fazer um certo tipo de objeto. Não é um novo estilo; os projetos não compartilham simplesmente uma estética. Os que os arquitetos compartilham é o fato de que cada um deles constrói edifícios inquietantes explorando o potencial oculto da modernidade.

Biocentrum. Universidade de Frankfurt, 1987. Peter Eisenman

A inquietação que estes edifícios produzem não é apenas perceptual; não é uma resposta pessoal frente às obras, nem tampouco é um estado mental. O que está sendo alterado é um conjunto de presunções culturais profundamente arraigadas, que está por traz de uma certa visão da arquitetura, presunções sobre a ordem, a harmonia, a estabilidade e a unidade.. Entretanto, esta alteração não deriva de, ou resulta em uma mudanza fundamental na cultura. A inquietação não foi produzida por um novo espírito do tempo; não é que um mundo inquieto produza uma arquitetura inquieta. Nem tampouco é a angústia pessoal do arquiteto; não é uma forma de expressionismo, o arquiteto não expressa nada com ele. O arquiteto somente faz possível que a tradição se equivoque, que se deforme em si mesma.

A preocupação da arquitetura desconstrutivista habita mais o subconsciente da forma pura do que o subconsciente do arquiteto. O arquiteto simplesmente anula as inibições formais tradicionais para liberar o corpo extranho. Cada arquiteto libera inibições diferentes, de maneira que subverte a forma de maneiras radicalmente distintas. Cada um deles se faz protagonista de um dilema diferente da forma pura. Ao faze-lo produzem uma arquitetura sinuosa, uma arquitetura escorregadia, que desliza descontroladamente do familiar para o desconhecido, até a extranha tomada de consciência de sua própria natureza extranha, uma arquitetura, finalmente, que se distorce a si mesma para revelar-se de novo. Os projetos sugerem que a arquitetura sempre tem estado questionada por esta classe de enigmas, que são a origem de sua força e seu deleite, e que fazem possível sua formidável presença.

Mark Wigley

Director Associado da Exposição

Projetos e edifícios expostos no MoMA, 1988 na exposição Deconstructivist Architecture.

Frank O. Gehry- Casa Gehry, Santa Monica, CA. 1978.

Daniel Libeskind – City Edge. Berlim, 1987.

Rem Koolhas (OMA) – Edifício em Roterdã, Holanda, 1982.

Peter Eisenman – Biocentrum. Universidade de Frankfurt, 1987.

Zaha M. Hadid – The Peak. Hong Kong, 1982.

Coop Himmelblau.  __ Viena, 1985. Edifício em Viena, 1986. Skyline, Hamburgo, 1985

Bernard Tchumi. Parc de La Villette, Paris, 1985.



Uma resposta para “Arquitetura Desconstrutivista III

  1. Parabens pela postagem…. Me ajudou muito no trabalho da faculdade.

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